A modalidade de conexão Grid Zero, ou injeção zero na rede, tem se consolidado como uma alternativa estratégica no setor de energia solar fotovoltaica brasileiro.

Para profissionais que buscam viabilizar projetos frente a restrições da rede de distribuição ou otimizar processos de aprovação, o conhecimento aprofundado sobre os sistemas Grid Zero é indispensável.

Este guia prático tem o objetivo de esclarecer os aspectos técnicos, normativos e procedimentais relacionados a esses projetos, com ênfase nas diretrizes estabelecidas pelas distribuidoras CPFL e Cemig.

O que é e por que utilizar um sistema Grid Zero?

Um sistema fotovoltaico em Grid Zero caracteriza-se por sua conexão elétrica à rede da distribuidora, porém, com a particularidade de ser tecnicamente impedido de injetar qualquer excedente de energia gerada de volta ao sistema público.

Toda a produção dos módulos fotovoltaicos é direcionada ao consumo instantâneo da unidade consumidora. Já os possíveis excedentes energéticos devem ser gerenciados internamente, seja por meio de sistemas de armazenamento (baterias), quando existentes, ou através de controle da geração, sem que ocorra exportação para a rede da concessionária.

É fundamental diferenciar Grid Zero de Limitação de Potência Injetável (LPI). Enquanto o primeiro determina a anulação completa da injeção, a LPI permite a exportação de uma parcela de energia, limitada a um valor pré-definido e inferior à capacidade nominal dos inversores e módulos do sistema fotovoltaico.

A opção por um sistema Grid Zero pode ser justificada por diversos fatores técnicos e regulatórios, como:

Restrições da distribuidora

Em muitos locais, a infraestrutura da rede elétrica apresenta limitações que impedem a absorção de nova energia injetada, seja por subdimensionamento de transformadores, capacidade de escoamento reduzida em alimentadores, ou mesmo por restrições contratuais. O Grid Zero viabiliza a implantação de sistemas fotovoltaicos nesses cenários.

Afastamento da análise de inversão de fluxo

A análise de inversão do fluxo de potência, procedimento que pode ser complexo e levar à exigência de obras onerosas na rede, pode ser dispensada para sistemas que garantem a não injeção. Esse “benefício” é estabelecido pelo Artigo 73-A da Resolução Normativa (REN) nº 1.000/2021 da ANEEL, atualizado pela REN nº 1.098/2024 e complementado pela Resolução Homologatória Nº 3.354/2024.

Aplicações em cenários específicos

Determinadas configurações de rede, como as reticuladas subterrâneas em áreas urbanas densas, podem tornar a injeção de energia tecnicamente inviável. Adicionalmente, para consumidores no Ambiente de Contratação Livre (ACL) ou Especial, que não se beneficiam do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), o Grid Zero permite a maximização do autoconsumo sem gerar excedentes não compensáveis, reduzindo também a burocracia para uma autoprodução ou produção independente no mercado livre de energia.

Quais são os componentes e requisitos técnicos fundamentais para o Grid Zero?

A confiabilidade e a aprovação de um projeto Grid Zero estão diretamente atreladas à correta especificação e integração de seus componentes técnicos.

Sistema de Controle de Redução de Potência Injetável (SCRPI) para Grid Zero

Este sistema é o elemento central que assegura a não injeção de energia na rede. Ele monitora continuamente o fluxo de energia e ajusta a geração dos inversores para manter a injeção nula.

Conforme a GED-15303 da CPFL e práticas de mercado, estes são os componentes essenciais do SCRPI:

  • Medidor de exportação/referência (ME): dispositivo inteligente que monitora com precisão o ponto de intercâmbio de energia com a rede, fornecendo a leitura de referência para o controlador.
  • Transformadores de corrente (TCs): necessários em sistemas com correntes elevadas para garantir a precisão da medição pelo ME.
  • Controlador de exportação (CE): processa os dados do ME e envia comandos de ajuste de potência aos inversores. Pode ser um hardware dedicado ou uma funcionalidade integrada ao inversor.

Já os inversores, devem ser capazes de receber e atuar prontamente nos comandos do CE, respeitando alguns parâmetros definidos pela norma. São eles:

  • Taxa de leitura do ME (segundos): frequência de verificação do fluxo de energia.
  • Tempo de resposta do SCRPI (segundos): intervalo entre a detecção de tendência de injeção e a atuação efetiva dos inversores.
  • Tempo de resposta em caso de falha de comunicação entre ME e SCRPI (segundos): comportamento do sistema (cessar geração ou estado seguro) em caso de perda de comunicação – essencial para a segurança (“fail-safe”).
  • Classe de exatidão do ME e TCs (%): define a precisão dos dispositivos de medição.
  • Protocolo e interface de comunicação: especificações como Modbus RTU e RS485.
  • Segurança: mecanismos como proteção por senha e registro de alterações são recomendados.
  • Controle ativo de potência: devem ser certificados para modular ativamente sua potência de saída em resposta a comandos externos (do CE) ou integrar essa lógica de controle.
  • Conformidade e certificação: é obrigatório o atendimento às normas ABNT NBR 16149 (requisitos da interface de conexão), NBR 16150 (procedimentos de ensaio de conformidade) e NBR IEC 62116 (ensaio de anti-ilhamento), além da certificação do INMETRO (conforme Portaria nº 140/2022, que para inversores com potência nominal superior a 6 kW exige a capacidade de limitar a potência ativa injetada via telecomandos).

O papel do medidor da distribuidora

Mesmo em um sistema Grid Zero, o medidor da concessionária permanece e cumpre sua função específica: a fiscalização.

A distribuidora mantém seu medidor bidirecional padrão para verificar o cumprimento da condição de não injeção. Assim, qualquer desvio do SCRPI será registrado.

Enquanto isso, a lógica de não injeção é implementada e garantida pelo SCRPI do cliente – e não pelo medidor da distribuidora – que atua como um dispositivo de registro passivo.

Navegando pela regulamentação: ANEEL, CPFL e Cemig

O entendimento da estrutura normativa é importante para o sucesso de projetos Grid Zero, com algumas diretrizes a serem seguidas.

A REN nº 1.000/2021 é o principal normativo da distribuição, com destaque para os artigos:

  • Artigo 73-A: essencial para Grid Zero, estabelece as condições para o afastamento da análise de inversão de fluxo para centrais de MMGD que não injetam energia na rede.
  • Artigo 355: define a possibilidade de suspensão do fornecimento pela distribuidora em casos como descumprimento das condições acordadas.
  • Artigos 655-F, T, U, V: Tratam de irregularidades, responsabilidades e penalidades no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), que podem ser aplicadas em caso de injeção indevida.

PRODIST Módulo 3: Especifica os requisitos técnicos gerais para a conexão ao sistema de distribuição, incluindo proteções de interface (anti-ilhamento, variações de tensão e frequência) que permanecem obrigatórias.

Resolução Homologatória Nº 3.354/2024 e Despacho ANEEL Nº 2.216/2024: Padronizam formulários, como o “Termo de Aceite para afastamento da análise de inversão de fluxo”, e fornecem instruções sobre a análise de inversão de fluxo, facilitando o processo para sistemas Grid Zero. 

A Nota Técnica nº 32/2024-STD/STR/ANEEL detalha a metodologia para dispensa desses estudos em certas condições de Grid Zero e microgeração com consumo compatível.

Normas e Procedimentos da CPFL para Grid Zero:

  • GED-15303 (“Conexão de Micro e Minigeração Distribuída sob Sistema de Compensação de Energia Elétrica”): Norma técnica central que estabelece os requisitos para o SCRPI, abrangendo a modalidade Zero Grid.
  • “Declaração de Conformidade do SCRPI para Zero Grid”: Documento formal onde o responsável técnico atesta que o SCRPI projetado cumpre os requisitos da GED-15303, detalhando componentes e parâmetros de desempenho.
  • Formulário de Solicitação de Acesso (Anexo E da GED-15303): Documento inicial para o processo de conexão.

Normas e Procedimentos da Cemig para Grid Zero:

Manual de Solicitações de GridZero“: Documento orientador para projetos de injeção zero na área da Cemig.

Processo de Solicitação:

  • Cemig Atende (Agência Virtual): Etapa inicial para envio da documentação comercial e obtenção da Nota de Serviço (NS) e Protocolo.
  • APR Web: Sistema para submissão da documentação técnica (projetos, ART), utilizando a NS e o Protocolo do Cemig Atende. O cadastro no APR Web é distinto do Cemig Atende.

É imprescindível que o integrador consulte sempre a versão mais atualizada das normas técnicas da distribuidora local, pois podem existir particularidades e atualizações frequentes.

Passo a passo da solicitação à aprovação do projeto Grid Zero

Com o conhecimento técnico e normativo em mãos, o processo prático geralmente segue estas etapas:

  1. Consulta de acesso/viabilidade técnica (Recomendável):
    Uma consulta prévia à distribuidora pode esclarecer condições da rede e requisitos específicos, como indicado pela CPFL em relação à GED-15303.
  2. Preparação da documentação chave, sendo a qualidade da documentação um fator crítico para a aprovação.

ART (Anotação de Responsabilidade Técnica): Essencial, devendo ser específica para o projeto e implementação do SCRPI, evidenciando a responsabilidade técnica sobre o sistema de controle.

Memorial Descritivo Detalhado do SCRPI: Deve explicar minuciosamente a lógica de operação, os componentes (fabricantes, modelos), parametrizações, tempos de atuação e as medidas de segurança (“fail-safe”).

Diagramas Unifilares e Funcionais: Precisos e completos, ilustrando a arquitetura do SCRPI, interligações, ponto de medição de referência e proteções.

Certificados de Conformidade: Dos inversores (INMETRO, ABNT NBRs ) e componentes do SCRPI, se aplicável.

Formulários Específicos da Distribuidora:

  • CPFL: Formulário de Solicitação de Acesso (Anexo E da GED-15303 ), “Declaração de Conformidade do SCRPI para Zero Grid”, e, possivelmente, o “Termo de Aceite das condições para afastamento da análise de inversão de fluxo” (conforme modelo ANEEL).
  • Cemig: Preenchimento das informações no portal Cemig Atende e submissão dos documentos técnicos via APR Web.
  1. Submissão e Acompanhamento:
    O processo é iniciado junto à distribuidora conforme seus canais específicos (portais online, sistemas dedicados). É importante acompanhar os prazos de análise. Para microgeração sem obras, por exemplo, a CPFL informa um prazo de 15 dias para emissão do parecer de acesso.
  2. Vistoria e Comissionamento:
    Após a aprovação e instalação, a distribuidora realizará a vistoria. Nesta etapa, o integrador deverá demonstrar a funcionalidade do sistema Grid Zero, comprovando a efetiva não injeção de energia na rede. A Norma Técnica NT.020 da Equatorial Energia, por exemplo, exige um “Relatório de comissionamento, conforme ABNT NBR 16274“.

Conclusão

Os projetos Grid Zero surgem como uma solução técnica e regulatória robusta, permitindo a expansão da geração distribuída mesmo em cenários desafiadores. O domínio dos aspectos técnicos, em especial do SCRPI, a conformidade com o conjunto de normas da ANEEL e, fundamentalmente, o atendimento aos requisitos específicos de distribuidoras como CPFL e Cemig, são os pilares para um projeto de sucesso.

A responsabilidade técnica pela garantia da não injeção é um compromisso sério e demanda um planejamento criterioso, conhecimento atualizado e a escolha de parceiros e equipamentos confiáveis.

Respeitando todos os processos, o Grid Zero se consolida como uma importante ferramenta para o desenvolvimento de novos projetos fotovoltaicos.

Integrador, este guia sobre Grid Zero foi útil para você? Você já está implementando soluções de injeção zero para seus clientes? Compartilhe suas experiências ou dúvidas sobre esta modalidade de projeto nos comentários abaixo.

Author

Engenheiro Eletricista com especialização em energia solar. Possui experiência de 3 anos com vendas, dimensionamento e monitoramento de sistemas fotovoltaicos. Com o aprimoramento e estudo diário, auxilia o time do Luvik no desenvolvimento de novas funcionalides e criação de conteúdos que auxiliam o integrador a gerar mais valor aos seus clientes.

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